Histórias de Moradores de Ribeirão das NevesEsta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.
Uma mineira boa de verso e de prosaSinopse Em seu depoimento, Tula Pilar Ferreira conta que passou sua infância entre travessuras e brincadeira e como conheceu a literatura. Ela fala sobre seus trabalhos como doméstica e passadeira, as cidades onde morou e sobre a criação de seus filhos. Fala do preconceito por ser pobre, negra e favelada. Descreve como começou a escrever poesia e como conheceu os saraus da cidade de São Paulo, levando sempre junto a sua filha mais velha, Samanta. Conta sobre seu trabalho na revista Ocas, como foi a produção de seu livro e sobre seu sarau: Cadin de Coisa. História: Meu nome é Tula Pilar Ferreira. Nasci em Leopoldina, Minas Gerais. Meu pai chamava José Ferreira, eu nunca conheci meu pai. Eu sei que ele trabalhava de lavrador, é isso, na roça. E a minha mãe, Antônia de Souza Ferreira, era cozinheira desde os sete anos de idade, ela era uma senhora cozinheira, e lá em Minas. Eu comecei a ir trabalhar com ela nos idos dos meus sete anos, ajudar ela na cozinha. Eu fui pra Belo Horizonte com dois anos de idade. Os primeiros livros que eu li foi nessa casa que eu trabalhei, dos dez anos até os 14 anos, tinha a biblioteca da mulher. E era uma sala enorme, tinha aquela estante enorme cheia de livros. Ali eu aprendi inglês, porque eu tinha uns livrinhos de inglês que eram muito legais, eu ficava lendo e via as imagens. Ali eu li todos os negócios do Monteiro Lobato. Fui morar em Ribeirão das Neves. Engravidei. Foi uma paulada na cabeça, uma pancada feia, eu tinha 15 pra 16. E a minha mãe: “Ahh meu Deus, mas agora? Você vai abrir a porta pra todas, vai encher a casa de criançada, não sei o quê”, aquela coisa. Ah, minha nossa senhora, foi aquela loucura! Foi uma doideira, eu lembro que um pai de santo lá, que nós ia no centro dele, ele que contou pra minha mãe porque eu não tinha coragem. Ele que desconfiou e contou pra minha mãe porque eu não tinha coragem. E ao mesmo tempo que ele contou ele aconselhou pra minha mãe não fazer nada comigo, não sei o quê. Nisso eu já era diarista, eu já não era mais de ficar na casa dormindo, porque eu queria dormir em casa pra cuidar da minha filha. De noite eu cuidava dela, chegava, tomava banho, arrumava o cabelinho dela. Muitas vezes a minha tia trançava, muitas vezes a minha tia tinha os afazeres da casa, não dava e eu mesma trançava. E eu já era diarista, trabalhava como diarista. E como era boa de serviço, como diz o povo, era uma disputa de patroas me querendo, eu tinha muitas patroas porque eu era boa de limpeza, mas eu era lerda porque eu ficava lendo as coisas. Quando eu estava com uns 19 anos eu vim pra cá, mais ou menos, 18, 19. Primeiro eu fui pro Rio de Janeiro, trabalhei como babá lá um ano, quando a Samanta tinha uns quatro anos porque eu olhava uma menininha no Rio e tinha essa conexão com a Samanta, eu falava: “Vou deixar minha filha pra olhar a filha dos outros”, mas era a nossa condição, depois eu vim pra cá. Eu vim sozinha, como arrumadeira. Eu lembro que a mulher falando assim, ela olhando pra mim: “Não, eu tenho uma aqui que é a cara da senhora, a senhora vai adorar! Arrumadeira boa. Experiente, sim. E uma carinha boa, mineira. Ah, mineira”, a mulher pedindo pelo amor de Deus não mandar baiana pra ela. Mas chegou lá, eu descobri por quê. Como a minha mãe veio, a gente alugou uma casinha lá nos cafundós do Macedônia, Casa Branca, aqueles cantos lá. E depois a minha mãe vai embora e eu alugo um quartinho pra mim sozinha porque eu fiquei muitos anos nesse quartinho sozinha. Num corticinho perto de onde eu já estou, em Taboão da Serra. Porque eu vim andando por dentro, ‘ah, tem um quartinho ali assim, assim e assado’. Fui andando por dentro, Jardim Roberto, tal. Sei que eu vim pelo Marabá, cheguei aí onde eu estou até hoje, nesse pedacinho que eu moro, Maria Rosa, Parque Albina, que era tudo meio mato, hoje tem shopping, tem um monte de coisa. A minha filha veio bem depois para cá, quando eu engravidei do Pedro Lucas que é o meu filho de 18 anos. Trabalhei também bastante tempo como passadeira. E nessa coisa da falta de um emprego, porque daí também eu brigo com essa patroa que eu sou babá e saio fora. E nessa casa, já é Granja Viana, já é um outro lugar, eu conheço uma senhorinha, dona Iria, minha amigona, porque eu sempre ficava amiga da cozinheira, aquele link com a minha mãe, sei lá. Em várias mansões que eu trabalhei eu era muito amiga da cozinheira. E com essa dona Iria ela falava: “Mas você está certa, você tem que estudar mesmo, tem que fazer coisas mesmo”. E eu começo a fazer cursos aqui, cursos ali, de vez em quando eu acho certificado em casa. Eu estava de doméstica ainda, nessa casa do Jardim Guedala, eu ia pro curso, quando eu pegava o ônibus pra passar ali da Eusébio Matoso, ele passava, saindo de onde chama Paineira, ali na Paineira tinha um poste, tinha uma poesia. Eu lembro que eu lia toda vez que eu passava, eu lia. Da Paineira, ele passa em vários pontos de Pinheiros da Teodoro Sampaio tinha. Então, lembra de um ônibus de dois andares que tinha antigamente? Parava bem em cima da poesia. Aí eu conheço o Binho em um barzinho que ele começou a fazer a poesia dele lá no Campo Limpo, com as velinhas em cima da mesa, tal. Nisso eu começo a vender Revista Ocas por quê? Eu já não sou mais passadeira porque eu já briguei com os patrões, tudo. A Revista Ocas é esse projeto que tem esse dinheiro que é uma oportunidade de trabalho vender a revista. Ela não é emprego porque não tem vínculo empregatício, mas ela tem essa relação da geração de renda. E nisso, como eu estava na rua um dia que eu fui procurar um trabalho, sento no Masp e começo a chorar porque eu fui recusada na vaga como passadeira. Vejo um cara com um papelzinho, um coletinho. Eu falei: “Panfleto, é isso que eu vou fazer, distribuir panfleto. Deve dar um dinheirinho”. Eu vou conversar e ele: “Não, menina, isso aqui não é panfleto, isso aqui é Revista Ocas. Projeto social, internacional, tem em mais de 50 países. Pra quem está em situação de rua vender a revista”. Só que ainda demoro uns 15 dias, volto lá: “Ô moço, não sei onde que é o Brás, não sei onde é esse lugar” “Vou lá com você, menina”. Ele me leva. Nisso a Kênia, a moça que me atende, fala: “Não, a gente vai pesquisar a sua situação então”. Passa na psicóloga, Maria Alice, já me manda, vou lá com a Maria Alice Vassimon, que é uma pessoa magnífica do projeto Getep, terapia ocupacional, essas coisas. Em 2004 a gente criou o Vai Quem Quer. Eu e a Samanta, lá em Taboão, Vai Quem Quer. Eu retorno com esses saraus um tempo depois. Mas eu organizo coisa na minha casa, festa na minha casa, eu organizo uma coisinha aqui, uma coisinha ali e sempre participando com o pessoal. Faço, ali na Casa Amarela de Santo Amaro, Espaço Cultural Júlio Guerra, eu faço um evento lá. Eu fiz vários eventos, assim, que acabou me dando um destaque como organizadora, agitadora. O livro Palavras Inacadêmicas era bem simplesinho. Ele é xerox, mas é o que a gente tinha. As meninas me arrumam esse papel, a Professora Débora Galvani, uma época ela arrumava direitinho na gráfica, lá na USP. Resolvi fazer o Cadim de Coisa com relação com a menina mesmo, menina mineira, a minha mineiridade. E essa comida. Então, quando eu comecei na sala no projeto que eu estudava, Trecho 2.8, fotografia, pesquisa, pra pessoa em situação de vulnerabilidade social. E nessa sala a professora deu a oportunidade de fazer o Cadim de Coisa lá. A professora Grácia do projeto ajudou a bolar o Cadim de Coisa e mais essas meninas da T.O., da USP, também. Elas sempre elaboraram junto comigo. Foram várias palavras que a gente fala em “mineirês”.
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